segunda-feira, 4 de junho de 2012

MANIFESTO PELO MOVIMENTO ESTUDANTIL AUTÔNOMO E ANTI-PARTIDÁRIO

Manifesto escrito pelos estudantes do Énóis que ficaram na reitoria:


O movimento estudantil de 21 de maio, surgiu quando cerca de 400 estudantes tomaram o prédio da Reitoria ao som do grito "Resistir, Ocupar!", após Assembléia Geral dos Estudantes da FURG que deflagrou a Greve Estudantil e o apoio à Greve dos Professores. Logo após a entrada, ocorreram divergências sobre os rumos do movimento, visto que ele surgiu espontaneamente, na forma do fenômeno efeito multidão, e não foi emcabeçado por líderes políticos. Em seu âmago o que motivou cada um a estar ali era a luta por melhorias na FURG e no ensino superior e pela humanização da educação. Esse foi um momento único para a história da FURG e pioneiro no contexto de greves nas IFEs iniciado no país.
Após dois dias, quem visitava a ocupação encontrava na entrada um cartaz escrito: "Nem esquerda, nem direita, auto-gestão". Assim o movimento se organizou e se fortaleceu sem lideranças, baseado na auto-gestão. Dividiu-se os estudantes em comissões - cartazes colados na parede com o nome das comissões permitiam que aqueles que se dispusessem a cumprir aquelas tarefas voluntariamente se responsabilizassem colocando seu nome no cartaz. As reuniões organizaram-se de forma que quem se dispusesse a cumprir uma função a assumia, sem uma comissão fixa. Todos tinham oportunidade de falar nas reuniões. As reivindicações não foram escritas por uma comissão apenas, mas todo estudante pode escrever a sua em um imenso cartaz que ficou disponível no local.
Essa forma de organização fez com que o Movimento evoluísse rapidamente. Em quatro dias já tinhamos uma lista de quatro páginas de reivindicações estudantis, maior e mais profunda que a lista dos professores. Assim, o movimento estudantil ressurge nas ruas, tendo coragem de gritar pelos nossos direitos e reivindicar uma mudança social, cultural e ambiental. Ele se contrapõe aos movimentos estudantis burocratas que lideram instituições representativas estudantis, pois estes enviam ofícios com pedidos e aguardam até eles serem cumpridos. Nossos desejos e sonhos não cabem mais em ofícios, requerimentos, carimbos, urnas e gavetas.
Estamos criando na FURG um movimento estudantil autônomo, apartidário e sem bandeiras. Um movimento estudantil que fala com os burocratas administradores de cabeça erguida chamando-os para uma conversa cara à cara, pois não aceitamos mais a manipulaçao através de representantes. Cada um de nós deve decidir se concorda ou não com os rumos que a universidade está tomando. Criamos um movimento estudantil que tem comprometimento tal que abandonou toda sua vida, sua casa, e dedicou-se dia e noite para construir uma educação melhor.
No 4º dia de ocupação, já tendo sido definido que decidiríamos as 20h se continuaríamos ocupando a reitoria ou não, a Pró-reitora entrou no local e influenciando na autonomia estudantil, induziu a pauta da reunião e incitou a formação da mesa mediadora. Contrariando a proposta de auto-gestão e autonomia, cerca de 20 estudantes tomaram a decisão mais importante da história que estamos construindo. Na reunião às 20h, fomos surpreendidos com a notícia de que já havíamos dado “nossa” palavra à pró-reitora de que desocuparíamos a Reitoria naquele dia, não aceitando sequer um prazo para planejar a mudança de forma consensual. Influenciar na nossa autonomia não é somente tomar decisões sem voto, mas mudar a pauta de uma reunião importantíssima de uma hora para a outra. As pautas devem estar no site, e não podem ser mudadas por influência de ninguém.
Qual o interesse da Reitoria para que desocupemos o prédio se estávamos convivendo pacificamente e sem causar qualquer dano? Este ano é ano de eleição para reitor e prefeito da cidade. A permanência da ocupação na reitoria prejudicaria a imagem da atual gestão da Universidade, que provavelmente tem um candidato que dará continuidade a essa gestão. E consequentemente também prejudicaria a imagem do Partido dos Trabalhadores no município.
Nós surgimos como uma oposição ideológica na FURG. Ocupamos a Reitoria! "Reitor", do latim, rector, aquele que dirige, aquele que governa. Reitoria, local do Reitor. Ocupar a Reitoria deu um novo significado à um local "asséptico", "sisudo", burocrático, à casa do gestor de terno e gravata, cujos sonhos ainda cabem nas urnas. "Ocupação": ação de movimentos sociais que buscam dar uma finalidade social à uma propriedade. Na placa de entrada da Reitoria agora diz "A reitoria é de TOD@S". Ocupamos uma instituição pública sustentada pelo orçamento público, que advém de impostos arrecadados (ou seria arrancados a força) de todos cidadãos, estejam ou não na Universidade. Ao dizer que a Reitoria é de todos, nós a demos uma finalidade social, tomando o local "daquele que governa de terno de gravata" e tentamos construir uma educação melhor, uma educação comprometida com TOD@S.
A nossa primeira vitória contra o movimento estudantil burocrata foi a reunião na qual o Reitor desceu as escadas do palácio e falou de igual pra igual com os súditos, embora as instituições representativas da burocracia tenham querido subir, sentar-se em torno da cadeira do rei, e reivindicar de cabeça baixa. Nossa primeira derrota foi quando desceram ordens da Reitoria determinando nossa pauta e pressionando nossa saída imediata. O movimento abdicou de sua autonomia no momento em que desocupou o espaço de poder, o único local que não nos pertencia na Universidade, e montou barracas na APROFURG. Isso fez com que o movimento se limitasse à Greve dos Professores, esquecendo que os estudantes são uma categoria própria.
Ao desocupar ao prédio por causa da palavra de um estudante que não teve coragem de resistir à pressão da reitoria, esquecemos que não que não estávamos ali nos sacrificando somente por um novo calendário, mas sim por reivindicações nacionais. Estávamos ali por 10% do PIB pra educação, para que o Governo Federal pare de investir 47,19% do orçamento na Dívida Pública (27 vezes mais do que na educação). Estávamos ali pra mostrar que a Reitoria não é do Reitor, mas é nossa, é dos nossos pais que nunca entraram na Universidade, é dos nossos filhos que ainda nem nasceram, é de toda sociedade que se mata trabalhando pra sustentar a Universidade!
Continuamos na Reitoria porque queríamos mostrar que somos um movimento estudantil que exige que suas reivindicações sejam cumpridas e coloca mãos à obra para alcançá-las. Queríamos mostrar que somos o exemplo de autonomia e auto-gestão para todos outros movimentos sociais. Temos força para parar esse país, mas desocupar a reitoria porque consegui-se o calendário e pela pressão da reitoria, mostrou que ainda não temos noção da nossa força e consciência do nosso poder. Portanto, continuamos no movimento, mas não acampados na APROFURG.

Àqueles que mudaram-se para a APROFURG sem compreender a conjuntura política: estamos disponíveis a continuar construindo um movimento estudantil autônomo, livre e comprometido com a sociedade em geral - e nos disponibilizamos pra esclarecer as questões político-partidárias por detrás dos acontecimentos.

Àqueles que são partidários do movimento estudantil burocrata: nós não abandonamos nossa ideologia de autonomia. A reunião com o Reitor foi a primeira vitória e a desocupação foi a primeira derrota. Segue a luta!!


AVANTE!

A desocupação da Reitoria da Furg

No dia 25 de maio, após uma reunião de mais de duas horas os estudantes grevistas deixaram o prédio da Reitoria. O que motivou a retirada foi a reunião do CONSUN que homologou a greve estudantil e a alteração no calendário acadêmico ao término da Greve. Durante a reunião membros do Coletivo Énóis foram contrários à desocupação, pois o que motiva a ocupação é a transformação de um espaço de poder hierarquizado e burocrático, símbolo do governo, em espaço de criação, de transformação, auto-gestão e autonomia. Além disso, a promessa de um novo calendário revela-se uma conquista mínima diante das reivindicações que se construiu de transformação profunda na educação pública.

Após horas de reunião, os estudantes resolveram se mudar para um acampamento na Sede da Associação de Professores da Furg. Sete membros do Énóis permaneceram no local, em resistência à pressão e poder da reitoria, porém após ameaças de que a não desocupação acarretaria problemas também para o grupo acampado na reitoria, o prédio foi abandonado e tornou-se novamente o espaço asséptico do poder.